sábado, 28 de julho de 2007

Cada vez mais bebés sofrem de depressão

Entrevista a
Ana Luísa Correia
DN Madeira



O pedopsiquiatra Pedro Caldeira diz que é urgente reconhecer que as crianças pequenas podem ter sofrimento psicológico
Pedro Caldeira afirma que não há pais nem filhos perfeitos e salienta não haver receitas para educar uma criança.

Data: 01-06-2007

Apatia, desistência, paragem de crescimento, irriquietude, agressividade. Alguns dos sinais podem parecer normais de uma birra de criança mas na verdade podem ser indicadores de uma depressão.

Segundo Pedro Caldeira, pedopsiquiatra e responsável pela Unidade da Primeira Infância do Hospital Dona Estefânia, as depressão são cada vez mais comuns em bebés pequenos.

Admitindo que pode parecer inacreditável haver diagnósticos de depressão em bebés, ao longo da sua vida profissional, Pedro Caldeira já foi obrigado a lidar com muitas situações. "Há bebés que morrem por desistência", acrescenta.

O especialista explica que é difícil lidar com as depressões na primeira infância, não só para os pais ou cuidadores, como também para muitos profissionais de saúde, já que é uma área "muito exigente do ponto de vista emocional". Por outro lado, a maioria das pessoas esquece-se ou simplesmente não tem em conta que mesmo ainda como recém-nascida, a criança tem já uma vida mental. "É preciso ajudar as pessoas a reconhecer que os bebés podem ter sofrimento psicológico, embora isso não seja fácil de aceitar", admite Pedro Caldeira.

Além das depressões, naquela que é uma unidade de referência no país e no mundo, chegam outros problemas difíceis de lidar. O pedopsiquiatra refere que ao Hospital Dona Estefânia chegam crianças dos zero aos três anos com diagnósticos de perturbações de ansiedade, crianças que não conseguem sinalizar ou reconhecer afectos, com perturbações do espectro do autismo ou da relação e da comunicação.

Além de acompanhar estas crianças, a Unidade da Primeira Infância tem também uma consulta de bebés irritáveis, ideal para receber as crianças mais difíceis e para ajudar os pais antes que desesperem.

Pedro Caldeira diz que é preciso fazer um trabalho de detective nestas situações por forma a perceber porque é que a criança reage de determinada forma, chora em demasia, não dorme ou não come.

Embora admitindo que há bebés que podem ter 'manhas', principalmente quando percebem que determinada atitude terá uma reacção específica por parte dos pais, é necessário ter em mente que, geralmente, as crianças não choram só por chorar e que não é algo como 'excesso de colo'. "É preciso perceber que não há pais nem filhos perfeitos", salienta o pedopsiquiatra. "É importante que os pais pensem na criança como um ser individual que devem conhecer bem", afirma. "Não há receitas para educar uma criança".


Copyright © 2006 Empresa Diário de Notícias, Lda. Todos os direitos reservados

domingo, 22 de abril de 2007

Estado não protege as crianças institucionalizadas

Entrevista a Ana Luísa Correia, DN Madeira, Abril 2007

Deve ser dada a possibilidade de as crianças criarem laços emocionais fora da família.

O pedopsiquiatra Pedro Caldeira defende que as relações 'privilegiadas' devem existir mesmo entre as crianças e funcionários das instituições.
É recomendado que crianças e/ou jovens adoptados possam manter contacto com as instituições de acolhimento onde residiram previamente.





São milhares as crianças e jovens portuguesas que vivem em instituições. À espera de adopção ou por terem sido afastadas temporariamente das famílias biológicas, as instituições onde residem passam a ser o seu lar e os funcionários dos espaços, a sua família. Porém, mesmo que refaçam a sua vida junto de uma nova família ou de regresso às suas origens biológicas, a passagem por estes locais costuma deixar marcas nas crianças. O pedopsiquiatra Pedro Caldeira explica esta situação de duas maneiras. Por um lado, as crianças institucionalizadas podem criar laços emocionais com os funcionários das instituições. Nesta situação o comum é que estes laços sejam totalmente quebrados quando a criança deixa a instituição. Pedro Caldeira sublinha que "a política de cortar completamente com os laços não é nada favorável para as crianças. Para as crianças e para os profissionais basta que saibam que a sua vida passou por ali", acrescenta. A outra situação é ainda mais gravosa e refere-se aos casos em que não se cria qualquer tipo de relação entre as crianças institucionalizadas e os seus cuidadores. Embora possa ser uma atitude entendida como defensiva por parte dos funcionários das instituições, o pedopsiquiatra refere que, contrariamente ao subentendido, a falta de vínculos pode trazer consequências emocionais e psicológicas a longo prazo. "Crianças com vinculações seguras podem ter mais possibilidade de ter relações estáveis no futuro e crianças que estiveram em instituições sem vínculos especiais podem ser familiares com todos mas, pelo contrário não têm uma relação profunda com ninguém", explica. "Isso quer dizer que não diferenciam as pessoas, por isso não se protegem, não têm ideia do que é a segurança". Na maioria das situações, a culpa pode e deve ser imputada ao Estado, que não fomenta a criação de ligações junto das crianças institucionalizadas. "É irónico", sublinha Pedro Caldeira. "O Estado coloca os jovens em situação institucional e continua a desprotegê-los". Além disso, é importante que o tema da institucionalização deixe de ser tabu. O especialista defende que todas as etapas da vida de uma criança são importantes e mesmo a passagem por uma instituição ou família de acolhimento não deve ser vista com 'vergonha' ou como 'um segredo'. "Tem de se deixar de ter esta ideia que as relações têm de ser exclusivas, que as crianças que estão na família não podem ter outras ligações fora, uma ideia que é prejudicial mesmo para as crianças que estão nas instituições." Acima de tudo, o pedopsiquiatra sublinha que a vinculação está já reconhecida como "um dos factores protectores para o desenvolvimento da criança". Mas as mais fortes ligações emocionais não são exclusivas dos progenitores. Uma criança adoptada por ter um forte vínculo com a família de adopção ou, mesmo numa família biológica, o vínculo pode ser mais forte com um avô ou uma tia. "Há muitas maneiras de se fazer a vinculação e não há nenhuma relação que seja absolutamente essencial. Há muitas maneiras de reparar perdas e isto quer dizer que nenhuma criança está condenada à partida porque pode haver uma fatalidade, mas há sempre maneiras de recuperar...", explica Pedro Caldeira. Além disso, estas relações privilegiadas também são importantes quando estabelecidas com os profissionais de saúde. O diálogo melhora, as desavenças diminuem e mais facilmente as pessoas aceitam e cumprem um tratamento médico, por exemplo. Acima de tudo é necessário incutir no todo da sociedade uma atitude orientada para a vinculação, quebrando o isolamento a que a maioria das famílias estão votadas actualmente. O pedopsiquiatra alerta ainda para o facto de que "os equívocos que se criam quando o Estado aparentemente arranjam soluções para proteger crianças e no fundo as colocam em situações de relação artificial, têm de ser denunciados e evitados".
Ana Luísa Correia
« Voltar
Ferramentas





Copyright © 2006 Empresa Diário de Notícias, Lda. Todos os direitos reservados
Rua Dr. Fernão de Ornelas, 56/3º Apartado 421 - 9001-957 Funchal Telef. Geral: (351) 291 202 300