domingo, 22 de abril de 2007

Estado não protege as crianças institucionalizadas

Entrevista a Ana Luísa Correia, DN Madeira, Abril 2007

Deve ser dada a possibilidade de as crianças criarem laços emocionais fora da família.

O pedopsiquiatra Pedro Caldeira defende que as relações 'privilegiadas' devem existir mesmo entre as crianças e funcionários das instituições.
É recomendado que crianças e/ou jovens adoptados possam manter contacto com as instituições de acolhimento onde residiram previamente.





São milhares as crianças e jovens portuguesas que vivem em instituições. À espera de adopção ou por terem sido afastadas temporariamente das famílias biológicas, as instituições onde residem passam a ser o seu lar e os funcionários dos espaços, a sua família. Porém, mesmo que refaçam a sua vida junto de uma nova família ou de regresso às suas origens biológicas, a passagem por estes locais costuma deixar marcas nas crianças. O pedopsiquiatra Pedro Caldeira explica esta situação de duas maneiras. Por um lado, as crianças institucionalizadas podem criar laços emocionais com os funcionários das instituições. Nesta situação o comum é que estes laços sejam totalmente quebrados quando a criança deixa a instituição. Pedro Caldeira sublinha que "a política de cortar completamente com os laços não é nada favorável para as crianças. Para as crianças e para os profissionais basta que saibam que a sua vida passou por ali", acrescenta. A outra situação é ainda mais gravosa e refere-se aos casos em que não se cria qualquer tipo de relação entre as crianças institucionalizadas e os seus cuidadores. Embora possa ser uma atitude entendida como defensiva por parte dos funcionários das instituições, o pedopsiquiatra refere que, contrariamente ao subentendido, a falta de vínculos pode trazer consequências emocionais e psicológicas a longo prazo. "Crianças com vinculações seguras podem ter mais possibilidade de ter relações estáveis no futuro e crianças que estiveram em instituições sem vínculos especiais podem ser familiares com todos mas, pelo contrário não têm uma relação profunda com ninguém", explica. "Isso quer dizer que não diferenciam as pessoas, por isso não se protegem, não têm ideia do que é a segurança". Na maioria das situações, a culpa pode e deve ser imputada ao Estado, que não fomenta a criação de ligações junto das crianças institucionalizadas. "É irónico", sublinha Pedro Caldeira. "O Estado coloca os jovens em situação institucional e continua a desprotegê-los". Além disso, é importante que o tema da institucionalização deixe de ser tabu. O especialista defende que todas as etapas da vida de uma criança são importantes e mesmo a passagem por uma instituição ou família de acolhimento não deve ser vista com 'vergonha' ou como 'um segredo'. "Tem de se deixar de ter esta ideia que as relações têm de ser exclusivas, que as crianças que estão na família não podem ter outras ligações fora, uma ideia que é prejudicial mesmo para as crianças que estão nas instituições." Acima de tudo, o pedopsiquiatra sublinha que a vinculação está já reconhecida como "um dos factores protectores para o desenvolvimento da criança". Mas as mais fortes ligações emocionais não são exclusivas dos progenitores. Uma criança adoptada por ter um forte vínculo com a família de adopção ou, mesmo numa família biológica, o vínculo pode ser mais forte com um avô ou uma tia. "Há muitas maneiras de se fazer a vinculação e não há nenhuma relação que seja absolutamente essencial. Há muitas maneiras de reparar perdas e isto quer dizer que nenhuma criança está condenada à partida porque pode haver uma fatalidade, mas há sempre maneiras de recuperar...", explica Pedro Caldeira. Além disso, estas relações privilegiadas também são importantes quando estabelecidas com os profissionais de saúde. O diálogo melhora, as desavenças diminuem e mais facilmente as pessoas aceitam e cumprem um tratamento médico, por exemplo. Acima de tudo é necessário incutir no todo da sociedade uma atitude orientada para a vinculação, quebrando o isolamento a que a maioria das famílias estão votadas actualmente. O pedopsiquiatra alerta ainda para o facto de que "os equívocos que se criam quando o Estado aparentemente arranjam soluções para proteger crianças e no fundo as colocam em situações de relação artificial, têm de ser denunciados e evitados".
Ana Luísa Correia
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